Dois eventos dos últimos dias indicam o quanto o radicalismo islâmico está fora do esquadro da geopolítica: o envolvimento de dois irmãos chechenos no atentado de Boston e a vinculação com uma célula da Al-Qaeda de dois iranianos que preparavam um atentado contra um trem de passageiros no Canadá.
Em 2011, autoridades russas alertaram o governo americano para o radicalismo do checheno Tamerlan Tsarnaev, radicado nos Estados Unidos. O FBI interrogou o suspeito e seus familiares, concluiu que ele não representava ameaça e o deixou sem qualquer vigilância. Do ponto de vista da política internacional, não seria lógico que Tamerlan e seu irmão Dzhokhar considerassem os EUA como alvo.
Dzhokhar postou em sua página no VK, o equivalente russo do Facebook, links para mensagens em favor do separatismo checheno e para vídeos de combatentes sírios. A Federação Russa, da qual faz parte a Chechênia, reprimiu violentamente o seu movimento separatista, semidestruindo a república. A Rússia apoia, com armas e com seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, o regime da Síria, onde mantém sua única base naval no Oriente Médio.
EUA e Rússia são rivais globais, e o governo de Barack Obama nutre simpatia pela oposição síria. Tamerlan era muçulmano, assim como seu irmão Dzhokhar, que postou na sua página que o Islã contém a solução para todas as coisas. Tratar isso como indício de terrorismo seria adotar a intolerância religiosa como política de segurança.
A teocracia iraniana representa o establishment do radicalismo xiita. A Al-Qaeda é a mais importante rede terrorista sunita. Parte de seu financiamento vem de famílias sunitas da Arábia Saudita e possivelmente de outras monarquias do Golfo, na disputa com os iranianos por influência sobre o mundo muçulmano. Essas fronteiras já haviam sido embaralhadas na Palestina, com o apoio do grupo libanês xiita Hezbollah, patrocinado pelo Irã, ao grupo sunita Hamas. Mas continuam nítidas no Iraque, onde a Al-Qaeda ataca a população xiita e o governo do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki, apoiado pelo Irã; e na Síria, onde o Irã respalda o regime alauíta (um ramo do xiismo) na repressão contra combatentes majoritariamente sunitas (incluindo da Al-Qaeda).
As autoridades canadenses afirmaram não haver indícios de ligação entre um governo estrangeiro e os dois iranianos presos – que foram denunciados no ano passado pelo imam de sua mesquita, preocupado com a influência sobre alguns fieis de um líder radical local. O Canadá rompeu relações com o Irã em setembro, quando o ministro das Relações Exteriores canadense, John Baird, qualificou o Irã como “a mais importante ameaça à paz e à segurança do mundo”. O chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi, ridicularizou a suposta associação entre o Irã e a Al-Qaeda. Depois da invasão do Afeganistão pelos EUA, em 2001, integrantes da Al-Qaeda fugiram para o vizinho Irã, onde foram detidos, ao menos em princípio. Entre eles, estava um filho de Osama bin Laden, Saad, e o então responsável pela segurança da rede, Saif al-Adel, cujo sogro, Mustafa Hamid, seria o elo entre a Al-Qaeda e o regime iraniano, segundo o serviço secreto americano.
O Islã divide-se em seitas, e elas são importantes para compreender a configuração dos grupos radicais. Mas esses grupos também seguem uma lógica supranacional, e não respeitam fronteiras, de qualquer ordem. Os serviços de inteligência do Brasil, sede da Copa e da Olimpíada, devem tomar nota.
FONTE: O Estado de S. Paulo Lourival Sant’Anna