A Turquia recentemente buscou conquistar um novo papel como mediadora no Oriente Médio. Contudo, com um adiamento de exercícios militares, o país afastou-se de Israel e aproximou-se da Síria. Os israelenses estão preocupados, os sírios estão celebrando e os turcos estão cautelosamente diplomáticos.
Foi uma boa semana para o ministro de relações exteriores da Síria, Wali Al-Moualem. Na última terça-feira (13), ele fez parte de um grupo de políticos sírios e turcos que se reuniu em Oncupinar, um cruzamento na fronteira entre a Síria e a Turquia, para marcar a suspensão das exigências de visto entre os dois países.
Foi um grande passo. Há pouco tempo, no final dos anos 90, os dois vizinhos estavam em vias de um conflito devido ao apoio sírio aos combatentes da resistência curda na Turquia. Partes da fronteira ainda são minadas. Os tempos, contudo, mudaram: atualmente, os dois países cooperam em manobras militares conjuntas e criaram um Conselho de Cooperação Estratégica de Alto Nível.
Um novo relacionamento "espetacular" entre a Turquia e a Síria
O fato de Ancara e Damasco estarem planejando trabalhar juntas militarmente pouco após assinarem um acordo de isenção de visto não é nada menos do que espetacular. Também é um sinal do tipo de relacionamento entre vizinhos que a União Europeia gosta de ver entre os candidatos à associação. Ainda assim, o encontro na fronteira entre Turquia e Síria receberia pouca atenção se não fossem pelas notícias que o precederam: Israel, inimigo jurado da Síria, foi desconvidado a participar de um exercício militar internacional que aconteceria em território turco.
A reação foi imediata. Tanto os EUA quanto a Itália imediatamente cancelaram sua participação na manobra, chamada Águia de Anatólia. A Turquia tentou aparentar frieza, dizendo meramente que os "elementos internacionais" do exercício tinham sido cancelados como resultado de "problemas técnicos".
Mais tarde, porém, houve rumores que os turcos estavam irritados com os israelenses por causa do atraso na entrega dos aviões de vigilância não tripulados Heron. Depois, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, entrou na discussão, indicando que a exclusão dos israelenses era de fato politicamente motivada - uma resposta aos ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza. Erdogan disse em entrevista ao canal de televisão Al-Arabiya que a Turquia estava meramente agindo "de acordo com a consciência de seu povo" e que este "estava rejeitando a participação de Israel". Além disso, o ministro de relações exteriores turco, Ahmet Davutoglu, observou que a Turquia não podia ser vista como parceira militar de Israel quando não há esforços pela paz.
São palavras fortes - e causam desconforto em Israel. O país é pequeno demais para conduzir exercícios aéreos próprios e o relacionamento com a Turquia - único aliado muçulmano de Israel na região - é vital. "Nosso relacionamento com a Turquia é antigo, importante e estratégico", disse o ministro de defesa israelense Ehud Barak na quarta-feira, tentando minimizar a crise.
Israel traiu a confiança turca mais de uma vez
Ainda assim, o relacionamento turco-israelense está pior agora do que foi por um longo tempo. Ancara continua revoltada com a invasão da Faixa de Gaza pelas tropas israelenses no final do ano passado - quando a Turquia estava tentando mediar as conversas indiretas de paz entre Israel e Síria. Poucos dias antes do ataque, o então primeiro-ministro israelense Ehud Olmert disse a Erdogan que não havia nenhuma ofensiva planejada.
O primeiro-ministro turco não escondeu sua chateação. No Fórum Econômico Global em Davos em janeiro, Erdogan referiu-se à operação israelense na Faixa de Gaza como "barbaridade", durante uma discussão no pódio com o presidente israelense Shimon Peres. Pouco depois, deixou o palco irado, alegando que o moderador não permitira que falasse tanto tempo quanto Peres.
Erdogan já usou esse argumento sobre "a voz do povo (turco)" antes. No que concerne a presença das forças militares israelenses na Turquia, não é terrivelmente exagerado. Particularmente desde a ofensiva de Gaza o apetite para as forças armadas israelenses na Turquia é mínimo, até mesmo fora dos círculos religiosos conservadores. A decisão de Erdogan de desconvidar Israel tem todas as características de uma mudança radical de posição.
Há mais por trás da política turca para Israel do que a vaidade e as tendências populistas de Erdogan. O general da reserva turco Haldun Somazturk diz que as forças armadas turcas -antípodas kemalistas à política conservadora islâmica de Erdogan- também estão cada vez mais insatisfeitas com os israelenses. A causa primária para a desconfiança foram os ataques israelenses aéreos de 2007 a usinas nucleares suspeitas sírias. Os ataques partiram de território turco, mas Israel nunca se importou em informar os turcos, diz Solmazturk.
Outra razão são as "relações comerciais não confiáveis" para equipamentos militares, diz Solmazturk. Apenas dois dos 10 aviões de vigilância Heron encomendados foram entregues à Turquia, diz ele - e os dois se acidentaram em voos de teste. Ainda assim, Solmazturk não vê razão importante para pôr fim "à parceria tradicional" com Israel. Ele critica o governo conservador muçulmano de Erdogan por adotar o tom errado.
A Síria elogia a nova atitude turca em relação a Israel
Com Davutoglu no Ministério das Relações Exteriores, porém, a Turquia tentou encontrar maior equilíbrio entre seus aliados Ocidentais e os vizinhos do Oriente Médio. Davutoglu é o padrinho espiritual de uma nova política externa turca que ele espera que tornará o país mais influente no palco mundial.
Parte dessa política é forjar relacionamentos mais fortes com os vizinhos muçulmanos. Davutoglu diz que tem "discordâncias fundamentais" com a atual política externa de Israel. "Quando essas dúvidas forem levadas a sério", diz ele, então o processo de paz poderá recomeçar rapidamente.
Essa posição foi bem recebida na Síria. "Saudamos essa decisão. Ela se baseia na abordagem turca para Israel e reflete a forma que a Turquia vê o ataque israelense a Gaza", disse Al-Moualem segundo a agência de notícias Reuters.
A Síria também indicou que a Turquia não terá que procurar muito tempo por novos parceiros com quem conduzir exercícios militares. Após uma manobra de sucesso conduzida entre tropas turcas e sírias em abril, os sírios indicaram que haverá outra em breve.