sexta-feira, 16 de outubro de 2009
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Um Israel comum
Israel é apenas uma nação entre nações?
Em um nível, ele é de fato um lugar comum. As pessoas reclamam do trânsito, acompanham a cotação de suas ações, levam o cachorro para passear, usam BlackBerry, vão à praia e pagam suas hipotecas. Caminhe pelos prósperos subúrbios ao norte de Tel Aviv e você poderá se sentir na Califórnia.
Em outro, é claro, não é. Mais de 60 anos após a criação do Estado moderno, Israel ainda não tem fronteiras estabelecidas, não tem Constituição, não tem paz. Nascido de um horror excepcional, o Holocausto, a normalidade tem se mostrado esquiva.
A ansiedade dos judeus da diáspora não deu lugar à tranquilidade, mas a outra ansiedade. A fuga dos muros deu origem a novos muros. A psicose da aniquilação não desapareceu, mas adquiriu nova forma.
Apesar dos sucessos de Israel -é a sociedade mais aberta e dinâmica na região - isso é um fracasso atormentador. Algo pode ser feito a respeito? A história não é encorajadora.
Mas talvez um bom lugar por onde começar seja notando que Israel não vê a si mesmo como normal. Em vez disso, ele vive em um estado perpétuo de excepcionalismo.
Eu entendo isso: Israel é um país pequeno cujos vizinhos são inimigos ou observadores frios. Mas eu me preocupo quando Israel transforma em fetiche seu status excepcional. Ele precisa lidar com o mundo como ele é, por mais embaraçoso que seja, não o mundo do passado.
O Holocausto representou a quintessência do mal. Mas ele aconteceu há 65 anos. Seus perpetradores estão mortos ou morrendo. Um prisma do Holocausto pode distorcer. A história ilumina - e cega.
Estas reflexões vêm de uma análise do discurso do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na Assembleia Geral da ONU, no mês passado. Os primeiros 30 parágrafos foram dedicados a uma mistura inflamada de Alemanha nazista (a palavra "nazista" apareceu cinco vezes), Irã moderno, Al Qaeda (uma ideologia sunita à qual o Irã xiita se opõe) e terrorismo global, com o Israel solitário e excepcional enfrentando todos eles.
Aqui está o resumo de Netanyahu da luta de nossa era: "Ele coloca civilização contra barbarismo, o século 21 contra o século 9, aqueles que santificam a vida contra aqueles que glorificam a morte".
Isso é fácil, tem ressonância - e é de nenhuma ajuda. Claro, é uma posição que responde às ameaças e negação do Holocausto inaceitáveis do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. (Vários líderes iranianos também falaram em aceitar qualquer acordo a respeito de Israel que seja aceito pelos palestinos.)
Há outra forma de ver a luta em andamento no Oriente Médio -menos dramática e mais precisa.
É vê-la como uma luta por um equilíbrio de poder diferente - e possivelmente maior estabilidade- entre um Israel com armas nucleares (cerca de 80 a 200 armas nunca reconhecidas), um Irã orgulhoso mas incomodado e um mundo árabe cada vez mais sofisticado e consciente (apesar de reprimido).
Não é uma batalha entre barbarismo e civilização, mas entre várias civilizações, cujas posturas em relação à religião e ao modernismo variam, uma na qual todos buscam algum tipo de acomodação entre elas.
Uma baixa desta visão, é claro, é o excepcionalismo israelense. O Estado judeu se torna mais uma nação lutando por influência e tesouro. Eu acho que o presidente Obama, ele mesmo fazendo calar o excepcionalismo americano (é caro), está tentando empurrar Israel para uma autoimagem mais prosaica, realista.
Daí a abstenção americana em uma votação nuclear na ONU no mês passado, em Viena, pedindo que todos os Estados no Oriente Médio reconheçam o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e criem um Oriente Médio livre de armas nucleares - uma ideia que conta com apoio dos funcionários do governo Obama e que segue a agenda de desarmamento nuclear do presidente.
É uma mudança perceptível em relação ao endosso tácito americano de décadas ao arsenal nuclear israelense não declarado. Isto é lógico. Lidar de modo eficaz com o programa nuclear do Irã, um membro do TNP, ignorando ao mesmo tempo o status nuclear de um Israel fora do TNP, significa convidar acusações de dois pesos e duas medidas. O presidente Obama não gosta disso.
Eu acho que há um caso defensável para Israel colocar um fim ao seu excepcionalismo nuclear, colocando seu arsenal às claras e ingressando no TNP como parte de qualquer arranjo de segurança regional endossado pelos americanos e que impeça o Irã de obter armas.
Também vale a pena notar o tom sensível do secretário de Defesa americano, Robert Gates, em relação ao Irã - em contraste flagrante a Netanyahu. "A única forma de acabarmos sem um Irã com capacidade nuclear é o governo iraniano entender que sua segurança foi reduzida ao ter essas armas, em vez de fortalecida", disse Gates.
Em outras palavras, como argumento há muito tempo, o Irã toma decisões racionais. Em vez de invocar o Holocausto -uma distração indefensável- Israel deve ver o Irã friamente, entender suas preocupações e ver como pode ganhar com a diplomacia liderada pelos Estados Unidos.
Acabe com a pose, com a retórica exaltada, e lide com a realidade. Isso pode ser doloroso -como a conclusão do recente relatório da ONU, feito pelo ministro Richard Goldstone, de que tanto as forças israelenses quanto os militantes palestinos cometeram possíveis crimes contra a humanidade durante as operações militares de Israel em Gaza.
Mas também é educativo. Goldstone é um homem comedido - eu o conheço há muito tempo. A resposta israelense às suas conclusões me parecem como um exemplo do efeito cegante do excepcionalismo desenfreado. Países comuns erram.
O Oriente Médio mudou. Israel também precisa. "Nunca de novo" é um modo importante, mas totalmente inadequado, de lidar com o mundo moderno.
*Roger Cohen é editor-geral do "The International Herald Tribune"
Tradução: George El Khouri Andolfato
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